domingo, 10 de abril de 2011

GUIGA (Conto de Leandro Rocha)


Guiga tinha doze anos quando a calvície começou. Durante sua adolescência raspava os cabelos, imitando os jogadores de futebol para disfarçar. Não teve jeito. Aos vinte e um anos não havia mais cabelos em seu crânio. Pensou em peruca, tintura, implante. Nada disso fez. Encarou a beleza e rebeldia de seus fios fugidios que representavam, de certa forma, seu desapego pela vaidade das aparências. Mesmo assim, teve nove namoradas que amavam afagar sua cabeça. Aos vinte e seis engravidou Joana, que adorava as coisas francesas, mas só sabia pronunciar Comment vous vous appelez? E dizer que seu sonho era conhecer Paris. Guiga não entendia por que ela não gostava de farofa e feijão, como todo mundo de sua terra, ele principalmente. Mas aceitava Joana como ela era. E fazia muitos planos para seu filho homem, que era um recém-feto e ainda não tinha sexo. Depois de alguns meses soube que seu filho era, na verdade, filha. Decepcionou-se com Joana e mudou seu temperamento. Todos os mimos de docinhos e realização dos estranhos desejos dela acabaram neste dia. Joana se entristeceu com a mudança. Na madrugada do dia 23 de outubro de 2001 nasceu Clara. Guiga estava viajando a trabalho e só pôde ouvir o choro de sua filha por telefone. No dia seguinte, trouxe presentes para sua mulher e bebê e o beijou na fronte friamente. Pensou que não havia nenhum traço seu na criança. Ficou calado sentindo pontas de chifres. Os dias passaram. Guiga careca, Joana gordinha e Clara toda cagada. As noites eram mal dormidas e tiveram desentendimentos na divisão das tarefas do lar. Joana não tolerava os conselhos irritantes da mãe de Guiga, que se metia e queria cuidar de Clarinha o tempo todo. Certa tarde, o casal brigou feio por essa situação. Depois, Guiga surtou e passou três noites fora de casa sem dar satisfação. Joana chorou amamentando Clara, hã, hã, hããã, hã, hã, hããã, e nada de Clara dormir. Joana estava cansada. Quando Guiga retornou, ela falou em separação. Ele pediu perdão por sua loucura e implorou que ela não fizesse isso. Não teve jeito. Joana arrumou as coisas e voltou a morar com os pais. Guiga se sentiu mais careca do que nunca. Agora não vislumbrava o futuro de antes. Cansado dos casos com suas ex-namoradas se aventurou com um amigo em experiências homossexuais. Gostou daquela sensação. Repetiu inúmeras vezes. Resolveu que a partir daquele dia não ficaria mais com mulheres, tão complicadas. Começou seu primeiro namoro com um homem aos trinta e um anos de idade. Rafael Silva era seu amor, seu confidente. Achava graça do modo como Guiga fingia arrumar os cabelos inexistentes. Depois de dois anos de relacionamento, Rafael se sentiu atraído por uma mulher e resolveu largá-lo. Foi o suficiente para que Guiga repensasse tudo. Nos finais de semana, frequentava a casa de Joana para visitar Clarinha que crescia a olhos vistos, e se divertia com as brincadeiras do pai. O apego que Guiga sentia por ela apagou o sentimento de rejeição inicial e acalmou seu coração. Muitas lágrimas e saudades de Rafael vinham, seguindo-se ao ódio pela traição. O tempo enxugou o amor e Guiga não quis nenhum relacionamento sério a partir daí. Começou a beber. Gostava de cachaça Rainha. Depois de um pilequinho ia direto para uma casa de perdição e curtia os prazeres da carne. Voltava de alma vazia. Repetia o vício nos fins de semana. Porém, antes visitava Clarinha para se sentir responsável. Num dos dias de visitação levou um choque ao ver Joana de namorado. Ainda mais porque ele possuía cabelos lisos e bem cuidados que escancaravam sorrisos falsos, de inveja, em Guiga. Na primeira oportunidade que teve, fez comentários depreciativos sobre o rapaz para Joana. Ela ignorou a mensagem. Parecia feliz e segura. Foi demais para Guiga que se vingava dela repetindo noitadas de solidão no lugar das almas vazias.  No último fim de semana em que visitou Clara, saiu cedo sem se despedir de Joana e nunca mais retornou.

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