Os cabelos suados não estavam salgados pelo mar. O sol já havia deixado o horizonte quando ele a encontrou nua e fria na praia. Nada mais imprevisível do que aquilo. Silas repetia sua rotina de fim de tarde como era de costume, tentando recuperar a forma atlética de outrora. A cena o angustiou profundamente. Dessa vez era a realidade e não mera carpidaria televisiva. Ver uma jovem tão bonita sem vida. Talvez, afogada, ou assassinada, ou coisa ainda pior antes disso. O pensamente de ser confundido com o autor de tal atrocidade o fez entrar em pânico por algum tempo antes de ter a coragem de chamar a polícia. O constrangimento de ter que responder as perguntas e suportar os olhares de desconfiança o aterrorizavam ainda mais com a possibilidade dele ser preso injustamente. Quando saiu da delegacia já passava de uma da madrugada e pelo menos quinze ligações não atendidas constavam em seu celular, deixado no carro. Depois de todo o inconveniente respirou fundo e dirigiu até sua casa relembrando a expressão pálida do cadáver. Os mortos não são fantasmas ele sabia. E ao mesmo tempo se assombrava com a sensação de ter tocado naquele corpo branco, belo e à deriva na praia. Será que havia sido o primeiro a ver a morta? A polícia não havia identificado o corpo. Não existiam pertences ou documento algum nas proximidades do suposto crime. No dia seguinte o noticiário divulgou a informação em busca da família da vítima. No jornal da tarde anunciaram Cristina como a proprietária do desfalecido corpo. Sua família não suspeitava de ninguém. No dia do acontecimento Cristina havia saído cedo para faculdade levando uma bolsa e livros. Sua mãe desesperada não conseguia acreditar no que havia acontecido. Nem como alguém seria capaz de matar sua filha de 24 anos. Cristina não tinha namorado, apenas “ficava” de vez em quando, e estava saindo com o Raul. Suas amigas não acreditavam que ele pudesse ter feito algo a ela. A polícia continuava investigando o caso enquanto a mídia se alimentava a cada capítulo: “Estudante, classe média é encontrada morta, seminua numa praia, sem sinais de violência sexual, e com uma estranhas marcas no pescoço”. Cristina visitava sites de relacionamento e conhecia pessoas em salas de bate papo, em busca por encontrar parceiros para diversão apenas. Mas, no fundo queria seguir pelo caminho previsível de se apaixonar, casar, ser mãe e trabalhar para ter condições de manter as necessidades comuns do capitalismo. Na cabeça de Cristina não havia qualquer perigo em conhecer alguém na net. Ainda mais porque ela nunca conhecia ninguém pessoalmente sem antes ter se passado um mês de encontros virtuais. Era sua regra. Naquela tarde foi diferente. Ela sentiu uma empatia profunda à primeira teclada com seu parceiro internético. Decidiu que não valia mais a pena investir no carinha casado com quem tava envolvida. Abriria mão daquelas promessas mentirosas para experimentar alguém de sua idade. Marcou o encontro para à tarde de sábado. Infelizmente, não teve respirações para viver até lá. No final da manhã de sexta-feira quando saiu da faculdade se dirigiu ao seu carro e foi abordada por duas mulheres no estacionamento. Elas estavam revoltadas e começaram a acusar Cristina de vagabunda, vadia e quiseram partir para a violência. Cristina tentou segurar as mãos de uma delas que tentava puxar seus cabelos e apertar seu pescoço. As unhas deixaram marcas na altura da nuca e arredores. Cristina pediu que aquela louca não fizesse isso. Disse que não sabia o porquê da violência. A mulher mais revoltada ainda chamou-a de escrota e a acusou de estar tendo um caso com seu marido. Não havia ninguém para ver a cena complicada daquele momento. Foi tudo muito rápido. A amiga da mulher dava suporte umentando o coro de acusações. Afirmava ter certeza que Cristina era a puta que havia saído mais uma vez com o marido da outra. Cristina negava tudo enquanto tentava abrir o carro para fugir. Elas entraram também. A suposta esposa traída colocou um estilete no pescoço de Cristina e a obrigou a dirigir até uma casa de praia isolada. No caminho baixou a arma à altura de seu seio, fazendo novas ameaças. Cristina chorava desesperada e trêmula. Estava em pânico e se sentia culpada, mas não o suficiente para merecer tudo aquilo. Depois que chegaram, amarraram Cristina e a obrigaram a tomar um líquido muito salgado. Ela desmaiou e parou de viver. As mulheres que pareciam estar sob o efeito de alguma possessão diabólica ou substância química continuaram seu plano esperando pelo fim da tarde para jogar o corpo da moça no mar. Ninguém as viu. E não havia nenhum Deus ou Demônio intervindo naquela ação, além do desejo de vingança das duas cúmplices. Algum tempo depois, Silas encontrou o corpo na praia.
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