domingo, 27 de março de 2011

MUSICAL "BECO DA ALMA"


TEXTO: Cláudia Magalhães MÚSICA: Danilo Guanais DIREÇÃO: João Marcelino

Reportagem publicada na Tribuna do Norte em 15 de Março de 2011
  
Yuno Silva - Repórter

O clima soturno da Ribeira, bairro histórico da capital potiguar que abriga o largo da rua Chile, é o cenário perfeito para forjar almas que perambulam pelos becos da vida. A noite nem bem começou e, enquanto pessoas ‘comuns’ estão chegando em casa após mais um dia de expediente, espectros mundanos adentram um antigo armazém para nova sessão de transe coletivo. Não há palavra mais indicada – transe - para descrever a incorporação dos personagens  que transitam pelo “Beco da Alma”, envolvido num “caleidoscópio de estados de espírito”, e que norteia os ensaios do musical criado pelo compositor Danilo Guanais.
fotos: yuno silvaMusical Beco da Alma, de Danilo guanais,  estreia primeira temporada no Teatro Alberto Maranhão em AbrilMusical Beco da Alma, de Danilo guanais, estreia primeira temporada no Teatro Alberto Maranhão em Abril
Guanais, instrumentista erudito, professor da Escola de Música da UFRN e autor da trilha sonora dos principais Autos em cartaz no RN, também responde pelo roteiro, músicas e letras do espetáculo “Beco da Alma”, cuja estreia está agendada para o próximo dia 4 de abril no Teatro Alberto Maranhão. O musical é baseado no livro (peça teatral) “Esquina do Mundo – A hora do Cão Lobo”, da atriz e dramaturga potiguar Cláudia Magalhães, lançado em 2009 pela Mekong Editora.

Para tentar entender a trama, e triscar no transe coletivo do elenco, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE acompanhou uma noite de ensaios do grupo, um ardoroso (e prazeroso) processo de construção do espetáculo que ganha forma sob a direção do experiente João Marcelino, parceiro de Danilo há mais de duas décadas.

Com patrocínio do Hotel Rifóles, “Beco da Alma” narra uma intrincada teia de relações ambientadas em um bar, poeticamente estabelecido na “esquina do paraíso com o inferno”, onde atrama gira em torno do reencontro de três amigos de infância: Rato, Zé e Carlão, que tomaram diferentes rumos na vida; e do romance entre o alcoólatra Rato e a louca Esperança, um amor que luta para resistir ao emaranhado de violência e rancores desencadeado por esse reencontro. Predestinadas à tragédia, as almas desse beco também se alimentam de humor e romance. “Uma tragédia com  momentos de alívio cômico”, adianta João Marcelino. Como todo bom musical que se preze, além do elenco formado por nove atores, o espetáculo incorpora quarteto formado por baixo, guitarra, bateria e piano, que executará ao vivo os temas durante as apresentações.

Produção traz formato inédito para Natal

“Cada personagem tem um carma, e é isso que estamos fazendo aqui: canalizando energias para buscar a essência dessas almas. A todo instante topamos com encruzilhadas que nos instigam a tomar decisões, como imaginar um passado para cada figura em cena – suas relações familiares, a trajetória de cada cada um antes de chegar a esta ‘esquina do  mundo’, que, inclusive, pode ser em qualquer lugar. A prioridade é conferir densidade dramática”, explicou o diretor. “O processo é longo e tudo pode acontecer em nossa ‘Dogville’... estamos no meio de uma loucura, experimentando várias maneiras de contar a história”, disse João Marcelino olhando em volta, onde marcações no chão identificam as limitações do cenário como no filme estrelado por Nicole Kidman em 2003. De acordo com o diretor, serão 40 dias de ensaios até a estreia.

O elenco foi selecionado após bateria de testes, iniciados em novembro do ano passado, quando cerca de 90 pessoas (principalmente das áreas de teatro e música) se inscreveram para as audições: “Tiramos um segundo grupo com 19 candidatos, e ficamos duas semanas trabalhando com exercício de interpretação, improviso, preparação vocal... até chegarmos aos nove selecionados”, lembra Marcelino. “Tínhamos que encontrar um grupo capaz de atender a proposta do musical, por isso investimos nas qualidades de cada um e fomos suprindo as necessidades. O formato dessa produção é inédito em Natal”, aposta.

Serviço

Temporada de estreia do musical “Beco da Alma”, de Danilo Guanais

Dias 4, 5, 6, 7, 23 e 24 de abril, às 20h, no Teatro Alberto Maranhão.

Entrada franca – ingressos devem ser retirados com antecedência. Censura: 16 anos

Toque erudito

A construção do musical “Beco da Alma” iniciou em dezembro de 2009, e a maioria das canções foi compostas no Rio de Janeiro, entre setembro e novembro de 2010, onde Danilo Guanais cursa Doutorado – o resultado do título acadêmico será o oratório “Paixão” (espécie de ópera sem representação cênica), com estreia prevista para 2012. De acordo com Guanais, “Paixão” foi inspirado no evangelho de São Marcos; no livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” (1991), de José Saramago; e em em poesias do próprio autor.

“Estou entrando na terceira década de envolvimento com os palcos: os primeiros dez anos dediquei-me ao teatro, depois passei dez anos trabalhando com Autos e, nesta próxima década, quero investir nos musicais”, planeja Danilo. “Estou colocando minha alma neste beco com a intenção de provocar questionamentos. Quero que as pessoas vejam o espetáculo com um olhar crítico”, almeja.

Sobre a estrutura musical do “Beco da Alma”, Danilo disse tratar-se de “um conjunto de canções destinado a estabelecer um paralelo com o caleidoscópio de estados de espírito das personagens”. Através de uma atmosfera sonora brasileira (choros, sambas e canções), com rebuscamento quase erudito, Guanais quer conferir um tom universal à obra, “numa perspectiva musical sintonizada com a moderna produção norte-americana de musicais, principalmente de compositores como Leonard Bernstein e Stephen Sondheim”, analisa.  Bernstein (já falecido) e Sondheim são considerados dois dos principais nomes do gênero na atualidade.

Danilo Guanais, que teve acesso ao manuscrito do livro de Cláudia Magalhães antes de sua publicação, lembra que desde o princípio vislumbrou a peça como um musical. “O texto de Cláudia costura uma tragédia urbana com ironia e humor. Fiz uma nova dramaturgia, criei letras para as canções, mas a mensagem do livro está toda lá”, garante. “Tudo é muito novo, estamos experimentando. Nunca tivemos um momento como este, em que a música estivesse tão presente em um espetáculo criado no RN”, disse a autor, que também participou da produção do musical “Bye Bye Natal”, de Racine Santos. “Bye Bye Natal é uma revista musical, uma pesquisa em torno de big bands... um conceito bem diferente do Beco da Alma”.

No início da criação do “Beco da Alma”, a equipe chegou a cogitar apresentar o espetáculo em praça pública, mas o trabalho ganhou novas proporções que só o teatro pode dimensionar. “Queremos envolver o público, manter o foco sem interrupções que possam dispersar a atenção”, informa o diretor João Marcelino.

Confira um trecho do ensaio:



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