quarta-feira, 21 de março de 2012
Confira entrevista com Gilberto Gil, que fará apresentação dia 31, em Natal
Publicação: 21/03/2012 11:35 Atualização:
Adriana Amorim, Sérgio Vilar e Edilson Braga, especial para o Diário de Natal
Qual o critério para montagem do setlist do show? Você analisou quais canções estariam mais aptas ao formato mais acústico proposto?
A ideia do show em si passou por várias etapas. A primeira, há seis anos, com meu filho Bem Gil; a segunda, com a gravação de Banda Dois, em 2009. Já no terceiro ou quarto anos associados, veio o violoncelo de Nicolas Krassik, rendendo essa concepção de "concerto de cordas". Depois, o Concerto de Cordas e Máquinas de Ritmos teve a adição de dois músicos. E o repertório herda dois projetos anteriores e acrescenta uma canção inédita.
Com arranjos construídos por Bem Gil, seu filho, suas músicas soaram mais modernas depois?
Não sei dizer se trata-se de uma questão de modernizção. É como se fosse uma camerata pop, unindo música clássica com pop. Usaria o termo "camerístisco", já que o projeto traz a formação de música de concerto, erudida. E usaria o termo"camerata popular", já que são canções com versões de música popular, apostando um desejo mínimo de contemporinização dessas canções, dessas versões.
Caetano também tem procurado se renovar em parcerias com Maria Gadú ou novos arranjos em canções para Gal. De certa forma os últimos álbuns de Chico Buarque também parecem descompassados com sua trajetória. É uma forma de perpetuação musical de vocês?
É o meu trabalho, que se refere a todos os estágios anteriores presentes. Creio que seja um fenômeno da música popular isso que você mencionou, mas não posso deixar de compreender a minha visão. A leitura que faço de como se movimentam os agentes realizadores parte do que se vivencia no decorrer das gerações e de todos elementos aí inseridos. De alguma forma, também se espelha no que eles fazem. De alguma maneira, há uma certa produção semelhante. E tem a forma de atualização, de dizermos como somos hoje, o que fazemos agora, de alternativas. Faço muita coisa, vários projetos, como o Banda Larga Cordel, que foi,de certa forma, uma retomada da música nordestina. Depois outros dois projetos. Estou sempre me movimentando, circulando, em busca de uma herança tranquila do que recebo do trabalho anterior, seja como compositor, como intérprete, é tudo isso, sempre focando no novo momento. De certa forma, é um modo de manter o desejo de decorrência de tudo o que foi feito.
Por falar em elementos, você traz referências dos shows que você apresenta fora do país?
Os festivais, de uma maneira geral, misturam música popualr, jazz, folk, música africana. Não tem como não absorver experiências com eles, assim como levo colaborações a vários. São mais de 35 anos indo e vindo. Muita coisa volta para casa com a gente, interações que são estabelecidas, estímulos que são proporcionados. E a gente leva muita coisa também, fragmentos, elementos, experiências.
Quando virá um CD de inéditas seu?
Não faço ideia. Não tenho intenção, no momento, de formar repertório de inéditas. O que tenho feito para mim é parcial, vou registrando em celular, são embriões, melodias, ritmos, ideias. Bases experimentais para a criação de canções. Não tenho me dedicado a finalizar canções. O que fiz foi para Rita Martnália, Preta Gil, cerca de quatro ou cinco canções nos últimos meses.
A música tem ganhado a velocidade inerente aos dias atuais? Ela tem sido cada vez mais efêmera ou válida apenas por um carnaval?
Depende muito do ponto de vista do que se queira olhar, observar a criação, o fenômeno da criação. A música para abastecer o circuito de rápido consumo é algo que toma conta do Brasil. A música pop é feita para tocar no rádio, nas casas, nos computadores, telefones celulares, nas baladas, na noite. Tudo isso é o carnaval. A música que prevalece é muito direcional, propositada, mas, ao mesmo tempo, existe uma quantidade grande de experimentalismo, variações com fragmentos de várias linguagens, gente experimentando novidades. Quando se refere a música popular, devemos ver o mercado internacional, que mistura híbridos. E tudo isso se popularizou muito através do mercado de reprodução, difusão, televisão, canais direcionados, produção, programas de concursos de todos os lugares, disco que se desdobra, a música eletrônica e, claro, da internet.
Falando em experimentalismos, a geração de artistas da qual você se insere imaginava que existiria esse processo de criação infinito? Em algum momento, se achava que o processo criativo se esgotaria?
Sempre se soube que viria mais e mais. Esse era o desejo que estava na ideologia de quem fazia música nas decadas de 1960, 1970, 1980. Sempre se enxergou a sociedade e suas complexidades sociais e econômicas. Era o desejo de autores e intérpretes que trabalhavam nessa perspectiva. Por outro lado, a máquina produtora que dava sentido a isso também respondia e sempre aperfeiçoando sua maneira de produzir. Essa forma de produção, tal como acontece hoje, sempre foi muito desejada. E os agentes mantiveram esse desejo, a importância da música no entretenimento, na formação de uma cultura contemporânea. Uma coisa que transborda, umprocesso civilizatório. A música é um aparato importantíssmo.
Em 2008, você foi primeiro artista brasileiro com um canal exclusivo no YouTube. Como é sua relação atualmente com a internet?
Na internet, sou um observador autônomo, independente, sou um entusiasta, busco formas de compreensão cada vez mais agudas. Na internet, conflitos, lutas e choques de interesse são amplificados. Por outro lado, sou um consumidor. Sou um barco na internet. Uso pouco para troca de informação, mas utilizo para acessar sites de músicas, blogs relativos. Como consumidor moderno, sou atento e interessado.
Como avalia o Ecad e toda essa questão dos direitos autorais?
O Ecad é uma instituição que vem do tempo da hegemonia da cultura analígica, da teledifusao, que representava grandes produtores de música que criavam produtos para milhões de consumidores. O Ecad vem dessa cultura da centralidade da difusão. E, portanto, é modelo que defronta com o ciberespaço, de reprodução de cópias e produção, quando milhões de consumidores estão consumindo milhões de produtos. O mundo hoje vivencia a blogsfera, a possibilidade de conexão a partir do celular, de câmeras portáteis, enfim, da rápida acessibilidade. Então, são questões que precisam ser reavaliadas, a questao da autoralidade, da remuneração do autor, o que é o autor hoje em dia. Não é o Ecad simplesmente, mas todas as instituções que representam os direitos autorais, todas se confrontam com essa hiper-abundância. E tem todas as dificuldades de interpretar, estimular novos modelos de negócio, de admitir uma certa flexibilidade, toda essa ideia de compartilhamento e da "pirataria", como alguns preferem chamar.
Sobre o que se chama de "pirataria", qual o significado disso para você, enquanto artista?
São múltiplos significados. Para alguns, é uma ameaça aos objetos e produtos culturais, às formas culturais, como no caso do disco, do livro, dos objetos convencionais. No outro aspecto, a pirataria é outra coisa, não é apenas a reprodução digital de cópias com acessibilidade múltipla, e quenão pode ser vista como pirataria. É o hiperativo da própria criação do mercado, decorrência da circulação e como ela se dá hoje em dia. Não pode culpar a invenção do aviao pelo seu uso militar. E há ainda uma terceira dimensão, a da desobediência civil. A pirataria, nesse contexto, se assemelha aos movimentos sociais como Ocupy e MST, que reivindicam a divisão das fronteiras, que almejam uma mudança na divisão da riqueza simbólica. E quando se permitem algo o fazem no sentido da desobediência civil. Então, a pirataria é uma denominação genérica a algo que represena tantos fenômenos.
Não dá pra fugir do assunto político quando Gil já foi ministo da Cultura. Você classifica a gestão de Ana de Hollanda como de continuidade ou renovação?
É uma outra visão, outra gestão, com outra intervenção governamental, que traz para a pauta do ministério outras questões que acompanham a modernidade. E é uma gestão que é acompanhada pela sociedade e de todas as cobranças feitas. Existe uma insatisfação nessa pauta. Durante aminha gestão, minha pauta satisfazia.
Recentemente, um grupo de intelectuais publicizaram uma carta pedindo a saída da ministra. O que você achou do gesto?
Acho que eles tinham lá suas razoes e manifestaram suas iras.
Se, por acaso, você fosse convidado novamente para chefiar o MinC, aceitaria?
Não.
Por quê?
Porque não quero, não tenho vontade nenhuma de me dedicar a um projeto de gestão pública.
Até que ponto o cargo de ministro da Cultura atrapalhou o trabalho do compositor e cantor?
Não vejo que atrapalhou. Tive o cuidado, de certa forma, de preservar meu trabalho como artista. Me permitia licenças periódicas que me eram autorizados dentro da regra. Durante esta fase, dois discos foram gravados: Etroacústico, que premiado pela Acacemia Americana com o Grammy, e Banda Larga Cordel. Ainda compus com Jorge Mauter e outros parceiros. Então, não houve interrupção. Mantive minimamente abastecido meu fã-clube e minhas composições.
O ministério lhe deu a percepção do quanto o artista brasileiro é carente deincentivos governamentais?
Sim. Fiquei muito mais familirizado com a questão, com a ausência de expansão, de atenção governamental para o âmbito da criatividade brasileira e dos setores excluídos. E tudo isso com olhos mais vivos, o que se pode fazer e o próprio convívio. As representações nos fóruns internacionais também me obrigavam a apurar um discurso, uma palavra sobre o Brasil. O MinC foi um momento enriquecedor nesse sentido.
Você hoje iria às ruas para protestar contra o governo por não ter uma política voltada para a cultura?
Não sei se é preciso ir às ruas. A disposição fisica para uma pessoa mais velha já não enxerga a rua dessa maneira. E não precisamos ir somente às ruas para protestar. As ruas estão internacionalizadas nos circuitos da vida jornalística, da imprensa, das redes sociais. De casa mesmo você acessa a rua, cria a rua através de blogs, sites, cartas ao leitor. Sendo assim, sim, continuo propenso a ir às ruas.
Só para fechar esse assunto político, algum recado a Jair Bosonaro?
Não (risos). Ele já tem lá seu debate com a Preta (Gil). A família está bem representa!
Você fez show em Natal há cerca de três anos. Se existe, qual sua ligação com a cidade?
Gosto muito de Natal. Durante anos, durante as excursões pelo Nordeste, sempre passava por Natal, onde fiz muitos amigos. Lembro muito de Chico Miséria e Dora Cortez, companheira de trabalho por muitos anos. Tenho lembranças boas de Ponta Negra, na casa de amigos. A comida, a macaxeira, a carne de sol, as idas a Mossoró, as águas quentes. Tenho boas recordações.
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