sábado, 25 de junho de 2011

"Larvárias": O ser por trás da máscara


Fonte: Jornal Tribuna do Norte

Yuno Silva
repórter

A ordem natural das coisas pressupõe que são as pessoas que vestem máscaras, uma arrumação cartesiana tão arraigada na mente humana que torna simples a visualização de alguém mascarado. E quando acontece o contrário? Como conceber uma máscara 'vestindo' e 'conduzindo' uma pessoa durante um trabalho artístico? Imaginar essa possibilidade é um dos desafios lançados pelo espetáculo "Larvárias", da Cia do Giro, que está em Natal participando de intercâmbio teatral com os Clowns de Shakespeare - grupo responsável pela vinda dos gaúchos à capital potiguar.
DivulgaçãoNão há texto durante o espetáculo, apenas uma elaborada comunicação gestual, mas nada é por acaso, frisa a autoraNão há texto durante o espetáculo, apenas uma elaborada comunicação gestual, mas nada é por acaso, frisa a autora

A série de atividades da Cia do Giro na cidade ainda inclui oficina sobre técnicas de máscaras larvárias no Barracão dos Clowns em Nova Descoberta, e duas apresentações na Casa da Ribeira, no sábado e domingo, ambas às 20h. Para os interessados na oficina que acontece hoje, nem adianta se animar, as 20 vagas já foram preenchidas com dias de antecedência; e tudo indica que as apresentações na Ribeira serão bem concorridas. Os ingressos custam R$ 20 (inteira) e R$ 10.

Mas, afinal, o que são máscaras larvárias? Primeiro, que fique claro, o nome remete diretamente à larva, à metamorfose, à transformação. Segundo, as larvárias são inspiradas na estética das máscaras do Carnaval de Basel, cidade da Suíça alemã, introduzidas no universo teatral a partir da década de 1960 pelo francês Jacques Lecoq. E terceiro, as máscaras larvárias não representam personagens e sim estados de espíritos, energia, sentimento - detalhe fundamental para compreender a dimensão de suas possibilidades: "Há uma narrativa objetiva, um roteiro definido, mas o entendimento do espetáculo 'Larvárias' é sensorial e depende da vivência de cada pessoa. Deixamos espaços vazados para o público preencher a história", explica a atriz, diretora e roteirista gaúcha Daniela Carmona.

Considerado uma página em branco a ser colorida pelo universo simbólico do próprio espectador, o espetáculo retrata aspectos do cotidiano com humor e poesia, e trata dos encontros e desencontros de figuras intermediárias entre homem e bicho - seus atritos, confusões, equívocos e aproximações. O espetáculo chega à Natal com amparo do Prêmio Funarte de Teatro Myrian Muniz.

Performance corporal

Carmona divide o palco com o ator Adriano Basegio e uma imensa bola branca inflável de 2,5 metros de raio, com a qual os personagens, quer dizer, as figuras, interagem todo o tempo. "Cada ator imprime uma postura corporal que embasa a narrativa; e cada ângulo reflete uma expressão diferente", avisa a diretora. Não há texto durante o espetáculo, apenas uma elaborada comunicação gestual, "mas nada é por acaso", frisa. Além da dupla de atores, a Cia do Giro viaja com Mauiquel Klein, contrarregra; João Gaspary, iluminação; e Ana Mércio, sonoplastia.

Semelhantes a uma escultura, as máscaras são estruturas avantajadas, brancas como todo o cenário, e remetem imediatamente à figura humana, onde o corpo do ator incorpora sua capacidade de metamorfose e transforma-se em larva - que tudo pode ser, ou não ser. De vários formatos, as larvárias têm expressões fixas e oferecem uma incrível capacidade de transformação, sendo que qualquer mínima alteração no ângulo que se apresenta para o espectador sugere outra figura, como em uma constante metamorfose - daí a origem do nome.

Pesquisa cênica

O pioneirismo da Cia do Giro é constatado pelo fato de "Larvárias" ser o primeiro espetáculo do mundo a estabelecer uma narrativa utilizando somente esse tipo de máscara: "Em 2005, quando estreamos a montagem, nos deparamos com essa peculiaridade do ineditismo. Até então, outros grupos tinham apresentado apenas fragmentos de cenas (de cinco a oito minutos) com essa técnica, mas hoje sabemos que um grupo italiano está desenvolvendo um trabalho com essas máscaras há cerca de dois anos", contou a atriz, que conheceu as máscaras larvárias em 1996 quando estudou em Londres. "Passei cerca de dez anos experimentando jogos cênicos com meus alunos no Teatro Escola de Porto Alegre (Tepa), antes de chegar aos palcos", lembra Daniela.

"Larvárias" também foi embasado a partir da experiência acumulada pelo Projeto Comunicações Possíveis, desenvolvido em hospitais psiquiátricos, asilos, presídios e espaços rurais, onde "foi possível avaliar a qualidade da emissão e recepção artística da proposta. Chegávamos nesses lugares, apresentávamos sem adiantar nada, e colhíamos as impressões de cada grupo", disse Daniela Carmona. "No asilo fizeram referência à morte, à ressurreição; na zona rural ligaram o espetáculo à fertilidade, a bola foi vista como a Lua... cada grupo entendeu de uma maneira particular, dentro do contexto em que viviam", comemora a diretora.

A Cia do Giro caracteriza-se pela pesquisa de linguagens e estéticas específicas de alguns estilos de interpretação, onde se destacam a investigação dos territórios dramáticos da Tragédia Grega, do Bufão, Shakespeare, melodrama, absurdo, realismo, clown, e do jogo dramático das máscaras. O grupo define-se também pela pesquisa da música, dos ritmos e sonoridades na composição da cena dramática, bem como pela aplicação de técnicas extra-teatrais (meditações ativas e práticas respiratórias) como recurso para potencializar o discurso cênico.

O trabalho do grupo, já apresentado em diversos países como Suécia, Portugal, Espanha, Argentina, Uruguai, Equador e Venezuela, além de inúmeros festivais pelo Brasil, é baseado no jogo e no improviso, nas tradições de teatro popular, na sistematização do trabalho do corpo, com exercícios orientados à análise do movimento, elementos da mímica, dança e acrobacia.


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